Filmes de tragédias baseados em fatos reais são todos iguais, eles fazem uma introdução até culminar no acontecimento da tragédia e depois nas consequências dela e logo em seguida no desfecho, que é o destino de cada uma das vítimas. Quem se salvou vs. quem morreu e finaliza o longa com uma linguagem de documentário.
Fui ao cinema para ver “Os 33“, filme dirigido por Patricia Riggen, baseado no livro “Deep Down Dark” ( “Na Escuridão”, título no Brasil) de Héctor Tobar, jornalista do “Los Angeles Times” e ganhador do Pulitzer que foi escolhido a dedo pelos 33. A expectativa para esse filme era apenas uma: o diferente. Eu queria ver um filme que pudesse fugir de tudo isso que citei no inicio da resenha.
Os 33 conta uma história recente, trata-se dos 33 mineiros que ficaram presos 69 dias numa mina de exploração ouro e cobre no Chile, a mais de 700 metros abaixo do nível do mar, no ano de 2010. A tragédia e o plano de resgate dos mineiros, foi amplamente divulgado pela mídia ao redor do mundo e acabou comovendo muita gente. Com certeza você deve ter acompanhado o dramático resgate de perto e torceu por cada um dos 33 mineiros saírem com vida. É essa a história que foi produzida por Mike Medavoy (“Cisne Negro”, “A Grande Ilusão”), adaptada por José Rivera (Diários de Motocicleta) e escrita por Mikko Alanne, Craig Borten e Michael Thomas que será contada em pouco mais de duas horas.
O longa começa no dia 10 de agosto de 2010, somos apresentados às origens de cada um dos personagens, Mario Sepulveda (Antonio Banderas) o supervisor da mina, Luiz Urzua “Don Lucho” (Lou Diamond Philips) o técnico de segurança do trabalho e os mineiros: Julio (Oscar Nuñes) o boliviano, Carlos Mamani (Tenoch Huerta), Álex Veja (Mario Casas), Dario Segovia (Juan Pablo Raba) e Edison “Elvis” Peña (Jacob Varga). Conhecemos os momentos que cada um dos mineiros do elenco principal viveram antes de irem para o trabalho. Naquele dia, aconteceu algo atípico, o dono da mina pediu para todos trabalhalhem num nível mais profundo do que estavam acostumados. Don Lucho, vai averiguar local e percebe que a mina tem problemas e que poderia ruir a qualquer momento. Recebendo ordens da diretoria, os alertas de Don Lucho foram friamente ignorados pelo restante dos mineradores. Poucos minutos depois, ouvi-se barulhos de rachadura e tudo veio abaixo. A mina localizada no deserto do Atacama, no Chile, foi soterrada. Os mineradores encontraram um refúgio a mais de 700 metros abaixo do nível do mar e lá ficaram até serem resgatados um a um.
Os 33 é um filme que todo mundo sabe o final, mas ninguém sabe o que se passou na cabeça de cada um, nem como eles fizeram para se alimentar e também os conflitos que cada um viveu naquela escuridão, muito, mas muito distante da superfície. As angústias, os medos, a luta dos familiares na cobrança de uma atitude e uma atenção mais apropriada do governo chileno, a cobertura da mídia, dos oportunistas que se aproveitam de tudo que podem para faturar uma graninha… enfim, o destino e o desfecho de cada um deles. Uma história que mesmo baseada em fatos reais, buscou mostrar o que veio de dentro da mina, a visão objetiva disso tudo era de cada um dos 33. Era neles que estavam os olhares de Patricia Riggen, era sobre eles, principalmente, e na história de cada um deles que a cineasta mexicana mostraria para o mundo. E pode ter certeza que isso, ela conseguiu fazer e fez muito bem feito.
O roteiro é bem costurado com o drama dos familiares e a engenhosidade do governo para salvar as vítimas. Não dá para contar de forma aprofundada a vida de 33 pessoas em pouco mais de duas horas, mas conseguiram dar um jeito de não deixar ninguém de fora. Claro, que o filme é centrado na visão do líder e nos personagens que de alguma forma causam algum tipo conflito, que no caso são todos aqueles que citamos acima. Mas além deles, tem o elenco de apoio e o protagonismo de fora da mina, momento que vamos contar um pouco mais adiante. A produção do filme foi bem cuidadosa, Mike Medavoy contou com um elenco originalmente latino em sua maioria, todos eles, além da produção, ficaram reunidos e alocados num hotelzinho no deserto. Eles conviveram juntos dia e noite durante toda a filmagem do longa, tudo isso para trazer uma integração melhor do elenco e manter o grupo unido. Sem falar das cenas foram gravadas em uma mina de verdade na Colômbia.
Além disso, eles puderam contar com Juliette Binoche (María Segovia), a premiada atriz e dançarina francesa, que já ganhou Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo papel de Hana em “O Paciente Inglês” (1996). Uma atriz como essa no elenco traz uma aurea e uma energia diferente para a produção, é basicamente como muitos profissionais que se sentem cativados ao trabalhar do mesmo lado que a Fernanda Montenegro, por exemplo, são pessoas que pela sua experiência na vida profissional, traz um certo tipo de segurança não só para o longa, mas também para todos os profissionais envolvidos nele.
A fotografia do peruano Checco Varese estava impecável, um filme que tem a maior parte das suas cenas rodadas dentro de uma ambiente escuro trouxe um resultado em tela que agradou ao espectador, é tipo de mágica que só o cinema proporciona. A trilha sonora James Horner caminhava numa linha tênue para harmonizar sem ficar pedante os momentos de tensão e drama com os momentos de fé e esperança.
Mas o ponto alto deste longa está na atuação de Rodrigo Santoro como o Ministro de Minas do Chile. Santoro está numa liberdade que eu jamais vi nos filmes da sua carreira em Hollywood. Chuto dizer que tirando o fato da história ser focada nos mineiros, é Laurence Golborne o grande personagem do longa. É ele que permeia entre as cenas dentro da mina e a busca desenfreada pela salvação dos mineiros soterrados. Ele que dá a liga, que se comove com a esperança dos familiares é ele que faz o governo chileno acreditar que o resgate é possível. A entrega de Santoro para este papel foi diferente e isso me deixou muito feliz.
Unica coisa que me incomodou de verdade foi o fato de terem optado pelo Inglês, como idioma do filme, em vez do castelhano. Entendo que neste caso pesou a particularidade do mercado e da indústria do cinema, mas uma forcinha para falar a língua local, já que a maioria do elenco era latino, não era pedir muito.
Por fim, eu vi algo de diferente neste filme, uma produção e direção que não se apegou nos clichês de filmes de tragédias baseadas em fatos reais. Eu vi uma dedicação em todos eles para mostrar a dor, o medo e a angustia de 33 pessoas e de suas famílias, que não tinham a certeza primeiro: se estariam vivos para poder contar a história. Segundo: se os maridos, irmãos, sobrinhos e filhos voltariam para os braços daqueles que sempre estiveram ao seu lado.
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