Pode-se dizer que “Intrusos”, do nipo-americano Adrian Tomine vencedor de 11 Eisner, é uma daquelas obras que faz a gente pensar em como o ser humano pode ser cruel e egoísta. Em uma série de seis contos, o autor aborda narrativas diferentes, mas há um elemento que as conecta de alguma forma, o homem.
“Breve histórico da arte conhecida como ‘Hortescultura'” abre o quadrinho de Tomine com a história de um jardineiro chamado Harold que acredita ter criado uma arte inovadora, uma escultura que dentro dela nasce uma planta de verdade. Harold chama isso de “síntese entre a natureza e a arte”.
O cara é um escrotão, sua arte é motivo de riso e nenhum ser na vizinhança se encoraja em comprar a tal inovação. A esposa de Harold motiva o marido a todo momento e até chega a arrumar alguns clientes pra ele, mas o jeito escrachado e soberbo de Harold afasta todo mundo.
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Mesmo assim, o cara acredita que alguém ainda vai se importar com a arte que faz e para isso acontecer é necessário se dedicar um pouco mais. Com isso sobram dívidas nas costas da esposa, a filha sofre bullying, além de problemas desgastantes para a relação. A vida da família de Harold ficou estacionada por conta de um sonho que só existia na cabeça dele. Depois de um fracasso atrás do outro, Harold acaba enxergando seus erros e decide levar uma vida “normal”.
Em “Amber Sweet”, Tomine conta a história de uma garota que é parecida com uma camgirl que leva o nome do conto. Ela é muito conhecida, e por causa disso todos os homens da faculdade e de qualquer lugar em que ela esteja a confundem com Amber. A vida da estudante se torna um inferno.
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Ela muda de casa, tranca a faculdade, vai pra bem longe e mesmo assim não é suficiente. Apesar de no começo a tentativa de levar uma vida “normal” parecer ter rolado, ela se relaciona com um cara que parecia ser legal, mas depois se revela um grande babaca e relação só aconteceu por causa da semelhança com a estrela pornô.
A estudante se muda novamente para outro lugar, corta o cabelo e modifica toda a sua aparência e jeito de se vestir. Mas num golpe do destino, a garota esbarra com Amber Sweet em uma loja de conveniência e alí tem a chance de lavar a roupa suja ou quase isso. E aqui está uma das grandes sacadas do autor, quando você acha que a mina vai descarregar todo o histórico de culpa que tem em Amber, a sororidade se faz presente. Veja mais sobre “Intrusos” no player abaixo.
Deu pra ter noção do que te espera ao ler cada um dos contos de “Intrusos”? São histórias que parecem comuns à primeira vista, mas a relação entre as pessoas são complexas e pautadas por sentimentos mesquinhos, pelo machismo, patriarcado e a fragilidade do homem. Tomine é inteligente ao retratar com sutileza e profundidade cada uma das atitudes dos personagens que trouxe para às 128 páginas do quadrinho.
A arte é simples e carregada nas expressões. Não é uma leitura difícil e o melhor de tudo é que o autor que conseguiu casar muito bem seu estilo de contar histórias com a arte de traços leves e limpos. Publicado pela editora Nemo e com tradução de Érico Assis, “Intrusos” é o primeiro quadrinho de Adrian Tomine a circular por aqui. É um bom título para quem curte os quadrinhos de Daniel Clowes.
Sem muito alarde e a necessidade de qualquer explicação prévia, “Intrusos” é o tipo de quadrinho maduro, que consegue passar a mensagem e expõe uma realidade tão comum entre nós.
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