Game of Thrones começou seu legado em 2011 e, desde então, tornou-se uma das melhores e maiores séries da televisão contemporânea. Ao longo de oito anos, o show transposto para as telinhas por David Benioff e D.B. Weiss ganhou proporções gigantescas, reinventando a si mesmo ano após ano, ao menos até a sétima temporada. E foi com um inesperado cliffhanger que os showrunners caminharam para o que prometia ser a mais épica iteração de toda a epopeia de Westeros – e que fique bem claro, prometiam. Em outras palavras, todas as tentativas de finalizar os arcos e entregar algo satisfatório o suficiente aos fãs de longa data e até mesmo aos mais recentes morreu antes de uma construção palpável, optando por saídas tão convencionais que alcançar um patamar de decepção inenarrável.
A verdade é que Benioff e Weiss aparecem não saber o que fazer com seus personagens e preferem colocá-los em finalizações apressadas e sem sentido algum – ou, se buscam por algum sentido, por mais ínfimo que seja, falham miseravelmente. Entretanto, é fato dizer que os dois primeiros episódios insurgem como forma de unir os múltiplos arcos até então apresentados, arquitetando uma necessária e bem-vinda atmosfera de tensão e suspense, emulando até mesmo os momentos que antecedem a memorável batalha final de “Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” (2003). E mais: abrem espaço para consagrar uma das personagens mais complexas do panteão fantástico de George R.R. Martin, Brienne de Tarth (Gwendoline Christie), coreografando a belíssima sequência em que ela é condecorada Cavaleira dos Sete Reinos.
É a partir do terceiro capítulo, em que é-nos prometido a “maior batalha que a televisão e o cinema já viram”, que as coisas começam a desandar. Em um frenesi incompreensível e fragmentado de cenas de guerra que se perdem ainda mais quando colocados dentro de investidas fotográficas extremamente escuras. Brienne e Jamie (Nikolaj Coster-Waldau), que carregam entre si uma química apaixonante, são varridos para debaixo do tapete e misturam-se à massa amorfa de guerreiros da Noite, Dothrakis, Imaculados e uma incessante e saturada névoa que contribui em nada. Nem mesmo Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) é bem aproveitada, protagonizando apenas uma tocante sequência em que perde um de seus aliados mais queridos.
De fato, é interessante vermos o retorno de uma mística persona para as telinhas, encontrando uma ruína premeditada de modo coerente e envolvente: Melisandre (Carice van Houten). Apesar de não ter muito tempo de cena, divide o aplaudível peso narrativo junto com Arya Stark (Maisie Williams), que finalmente alcança seu ápice após anos sofrendo para se tornar uma Ninguém e destrói a ameaça iminente do Rei da Noite, cuja presença também não é muito bem explorada.
Em um comentário geral, o oitavo ano mergulha em saídas deus ex machina que revogam todo o complexo aparato recriado para a televisão. A dupla de criadores e roteiristas parece perder sua habilidade narrativa e deseja colocar dezenas de acontecimentos em um único lugar – ou pior: entende o que está acontecendo e prefere utilizar do choque excessivo para envolver um público que estava acostumado a um tipo de trama e agora se depara a qualquer drama genérico que tanto permeia a indústria audiovisual. É basicamente nisso que reside, por exemplo, a forçada morte de Cersei (Lena Headey) no quinto capítulo, e até mesmo a culminação à la conto de fadas da família Stark – cada um seguindo em sua própria direção como se nada tivesse acontecido.
São apenas alguns momentos que resgatam um pouco de brilho, como a escolha nada surpreendente que Daenerys faz em governar sob fogo e sangue, queimando praticamente toda a cidadela de Porto Real com seu último dragão vivo. Afinal, desde a segunda temporada, quando conseguiu se libertar das amarras de uma sociedade propositalmente machista e misógina, já discursava em prol de um “mundo novo”, onde seguidores de governantes tiranos deveriam morrer caso se recusassem a mudar sua fidelidade. Eventualmente, ela se torna aquilo que sempre condenou – mas é aqui que a delineação paradoxal de cada um dos personagens alcança uma plena sustentação.
Nem mesmo os solilóquios filosóficos e metafísicos de certas figuras faz sentido – não depois de tantas contradições inexplicáveis que Weiss e Benioff trazem para a série: Tyrion (Peter Dinklage), após o ridículo e risível assassinato da Rainha dos Dragões, fica responsável por decidir qual será o rumo dos sobreviventes às duas guerras e quem será o verdadeiro Rei de Westeros – com exceção de Winterfell, que fica a encargo de Sansa (Sophie Turner). Suas falas prontas e maniqueístas mergulham o belíssimo dialogismo apresentado em anos anteriores em um estilo novelesco e melodramático.
A temporada final de Game of Thrones realmente funciona bem pouco. Entre acontecimentos eventuais demais para serem críveis e finalizações muito apressadas, o que poderia ter alcançado um patamar ainda mais significativo cai naquilo que sempre tentou afastar. E perceber isso sem poder fazer nada talvez seja ainda mais doloroso.
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